Foi durante um jantar de confraternização entre amigas que soube da crise no casamento de uma colega da turma. Seu marido, que já mantinha um relacionamento extraconjugal há algum tempo, a fazia sentir-se presa na dinâmica de um matrimônio falido por fazê-la se sentir “devedora” financeiramente, em função dos anos que ela abdicou da carreira profissional para cuidar dos filhos.
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Durante a conversa, perguntei mais sobre o imóvel em que viviam: um apartamento quitado, num bairro nobre de São Paulo, com valor de venda que poderia resolver seu sentimento de “dívida” e ainda garantir uma nova moradia, caso optasse pela separação.
Numa outra ocasião, durante um almoço, outra amiga de infância, relatou um sentimento similar. Mais um casamento falido, com desejo de mudança e a sensação de que não possuía recursos para sustentar a decisão de seguir em frente. Conversamos sobre diversos aspectos até chegar ao seu imóvel: outro apartamento que poderia servir como arrimo para uma mudança de vida.
Nos últimos meses, tivemos conhecimento de casos de personalidades da grande mídia que tiveram seus bens envolvidos em casos de violência doméstica e patrimonial. Quantas Anas, Naiaras e Suzanas conhecemos no dia a dia? Posso afirmar que são inúmeras as mulheres do nosso convívio que sofrem algum tipo de violência.
No caso da patrimonial, caracterizada pela manipulação econômica e destruição de bens materiais, que registrou um aumento de 23% em 2021 para 44% em 2023 de acordo com a 10ª edição da Pesquisa Nacional de Violência Contra Mulher (DataSenado), o desafio é ainda mais complexo, especialmente nesta percepção de que os imóveis não devam “imobilizar” o passo para a liberdade de boa parte das mulheres.
Como escreveu Virginia Woolf no início do século passado: “a mulher precisa ter dinheiro e um teto todo seu se pretende mesmo escrever ficção”, aqui referindo-se à dedicação à sua atuação profissional, que no caso de Virginia, era escritora.
A crescente presença feminina como investidora e proprietária de imóveis representa um avanço notável, refletindo mudanças sociais e econômicas da sociedade. Entretanto, o ambiente brasileiro, marcado pela persistência da violência contra as mulheres, cria barreiras substanciais.
A falta de proteção efetiva e a impunidade em casos de violência patrimonial contribuem para um ambiente desfavorável, onde o risco de perda de patrimônio torna-se uma realidade ameaçadora.
O ciclo vicioso da violência patrimonial impacta não apenas a participação direta das mulheres no mercado imobiliário, mas também molda percepções e comportamentos. A insegurança gerada por essa forma de violência influencia as escolhas de localização, tipo de propriedade e até mesmo a decisão de como investir. Consequentemente, as mulheres podem ser excluídas de oportunidades de crescimento patrimonial e investimento, limitando seu potencial financeiro e – essencialmente- sua autonomia.
A implementação de leis mais rigorosas contra a violência patrimonial, aliada a campanhas educativas de conscientização, pode contribuir para a proteção das mulheres nesse contexto. Além disso, a promoção de ambientes seguros e inclusivos no setor imobiliário, juntamente com o estímulo a programas de educação financeira voltados para mulheres, pode encorajá-las, fortalecendo sua participação ativa no mercado.
Estes são caminhos importantes para que, cada vez mais, mulheres conheçam seus direitos e possibilidades frente ao patrimônio imobiliário familiar. A superação dessas barreiras exige uma abordagem abrangente, integrando esforços legais, sociais e econômicos para criar um ambiente em que as mulheres possam prosperar como investidoras e proprietárias, livre da ameaça da violência patrimonial.
Buscar conhecimento sobre seus direitos imobiliários com profissionais competentes e em fontes seguras de informação é um caminho concreto para quem busca a independência de ter um teto todo seu.
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