Coluna originalmente publicada pelo blog da Revista HSM Management
Pandemia provoca paradoxos no mercado de trabalho, altera estereótipos e ressalta o heroico empreendedorismo feminino
O ano de 2021 começa com a sinalização de um importante marco para o universo empreendedor: o maior número de empreendedores na história do Brasil.
O aumento substancial de pessoas que decidiram empreender no país não ocorre exatamente por vocação e sim, principalmente, por necessidade.
Foram quase 2 milhões de novos empreendedores, segundo dados do Portal do Empreendedor, do governo federal. Somado às mais de 7,5 milhões de micro e pequenas empresas, esse setor representa 99% dos negócios privados e 30% do Produto Interno Bruto (PIB, soma dos bens e serviços produzidos) do país.
Com isso, o Brasil alcançou um total de 11,3 milhões de MEIs ativos, 20% a mais do que no fim de 2019, quando o segmento tinha 9,4 milhões de registros.
Espaço no mercado de trabalho
No ano que tivemos o maior afastamento das mulheres do mercado de trabalho nas últimas três décadas, o volume no empreendedorismo pode indicar um caminho possível para quem precisa inovar por necessidade.
A mesma pandemia que afastou as mulheres do mercado de trabalho impulsionou o empreendedorismo feminino, como apontou a pesquisa elaborada pelo Sebrae com a Fundação Getúlio Vargas (FGV), mostrando que as empreendedoras demonstraram maior agilidade e competência ao implementar inovações em seus negócios durante os meses impactados pela Covid-19.
É sabido o quanto a carreira profissional das mulheres é impactada pela maternidade – segundo a FGV, 48% das mulheres ficam fora do mercado de trabalho até dois anos após a licença-maternidade.
Agora, os dados da pesquisa Pnad Contínua, do IBGE, apontam que, no subgrupo de mulheres com filhos de até dez anos, a participação feminina no mercado de trabalho caiu de 58,3%, no segundo trimestre de 2019, para 50,6% no segundo trimestre de 2020.
Se a jornada feminina já era um grande desafio para o equilíbrio do tripé carreira, família e vida pessoal, agora, no cenário que se aproxima do pós-pandemia, vivemos uma verdadeira “chamada para a aventura”, para o início de uma jornada empreendedora heroica.
Arquétipos em transformação
A ‘jornada do herói’ é o conceito descrito por Joseph Campbell e que ficou conhecido pelo livro “O Herói de Mil Faces” (1949). A saga de uma nova jornada inicia-se por algo que nos afasta da normalidade, provocando um estado de crise.
Daí tal percentual de mulheres e mães fora do mercado de trabalho representarem esse início de uma jornada. Vivemos uma verdadeira crise profissional no universo feminino.
“Nós somos lentos em dar crédito à mãe, mas rápidos em culpá-la por todos os males da sociedade”, escreveu Maureen Murdock na sua versão da Jornada da Heroína (1990), em resposta a Joseph Campbell e seu “Herói de Mil Faces”.
Murdock é uma autora americana que publicou o livro “The heroine’s journey” (A Jornada da Heroína), como uma resposta ao modelo da jornada do herói proposto Campbell.
Não por acaso, o início da jornada heróica de Murdock começa quando a mulher (heroína), notando as dinâmicas da sociedade em que vive, identifica o arquétipo feminino como passivo, manipulador, não produtivo, sem foco, inconstante e emocional demais.
O universo de trabalho convencional, que tende a penalizar as mulheres que precisam de maior flexibilidade, perdeu força para o empreendedorismo heróico, um paradoxo do contexto atual.
A transformação digital imposta pela pandemia, deveria aproximar, facilitar e conectar as mulheres que estavam no mercado de trabalho tradicional, promovendo assim o ambiente mais flexível de que tanto precisamos.
No entanto, a digitalização chamou o universo feminino para a aventura rumo ao empreendedorismo, esvaziando os números do mercado clássico, seja de forma voluntária ou não.
A pandemia não permitiu, na grande maioria dos casos, a tomada de decisão consciente pela saída do mercado de trabalho convencional. Contudo, os arquétipos mencionados acima são os principais motivos por este afastamento, como a dificuldade de produzir e manter o foco numa rotina tão impactada.
Mulheres que empreendem
Pelos indicadores e números trazidos aqui, o universo do empreendedorismo feminino pode ser o caminho de acolhimento para esta crescente parcela de mulheres impactadas pelos meses em isolamento social.
No Brasil, cerca de 9,3 milhões de mulheres são empreendedoras, representando 34% de todos os donos de empresas do País.
As análises mostram que as mulheres empreendedoras são mais jovens e têm um nível de escolaridade 16% superior comparado aos homens. Nós representamos 48% dos microempreendedores individuais (MEI), com destaque em setores como beleza, moda e alimentação.
A participação das mulheres na vida econômica brasileira aumenta consideravelmente a cada ano. De acordo com a pesquisa GEM Brasil 2015 (Global Entrepreneurship Monitor), o público feminino já era mais expressivo do que o masculino quando o assunto é a abertura de novos empreendimentos, e a expectativa para 2020 estava em mulheres detendo quase um terço de toda a riqueza privada global.
Os números do empreendedorismo mostram que existe uma jornada possível para as mulheres e, como escreveu Murdock, um lugar onde existe a integração do masculino com o feminino, “um lugar no qual a heroína aprende a integrar e equilibrar todos os aspectos de si mesma, tornando-se finalmente uma mulher plena, um ser humano em sua totalidade.”
Que os indicadores do empreendedorismo feminino possam, cada vez mais, mostrar que existem jornadas possíveis para muitas heroínas que (re)nascem desta pandemia, acolhendo as mulheres que mobilizam e contribuem economicamente com a sociedade.Compartilhar:
Colunista
LinkedIn Top Voices 2019. Mentora, consultora e podcaster pelo Vieses Femininos. Idealizadora e co-fundadora do Mulheres do Imobiliário.Primeira certificada Shakti Leader em São Paulo e membro Tiara Resource Circle. Elisa escreve mensalmente para a coluna “Empresas Shakti”, na qual aborda temas como liderança feminina, equidade e maternidade nas empresas.
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